domingo, 25 de abril de 2010

MATEUS ALELUIA, TINCOÃS, NO COLONIAL 17

segunda-feira, 19 de abril de 2010




MOSTRA HANSEN BAHIA 95 ANOS
  EM SÃO FÉLIX



Hansen Bahia


Em São Félix, na casa onde o artista alemão Hansen Bahia viveu os últimos anos de sua vida ao lado da esposa Ilse Hansen, será possível conferir a partir de hoje, às 17 horas, todas as xilogravuras, matrizes e pinturas que foram restauradas em 2009 através de um investimento da Embaixada da República Federal da Alemanha no Brasil.


"baiana" - Hansen Bahia

Na exposição “Hansen Bahia 95 anos”, que aconteceu no ICBA (Instituto Cultural Brasil-Alemanha) até 3 de abril, apenas as obras de Hansen foram expostas, mas agora, no dia em que Hansen completaria 95 anos de idade, o público vai poder conferir também as obras restauradas de Mario Cravo, Carybé, Genaro e de um artista etíope (desconhecido), além de todos os objetos que fazem parte da intimidade do  artista alemão e do acervo da Fundação Hansen Bahia”, explica a curadora da exposição “Hansen Bahia 95 anos – parte 2”, Lêda Deborah. A exposição segue até março de 2011.

Segundo o coordenador executivo da Fundação, Raimundo Vidal, o investimento de R$ 85 mil para restauração das obras da casa de Hansen corresponde ao segundo patrocínio do Governo Alemão à Fundação Hansen Bahia nos últimos 20 anos. Na década de 90, também com a intervenção do Consulado da Alemanha na Bahia, aquele país contribuiu com aquisição de computador, construção da reserva técnica de São Félix, restauro e emolduramento de obras para exposição. “No dia a dia da Fundação, vale destacar, é o Governo do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura, que mantém viva a memória e conserva o acervo do artista plástico alemão mais respeitado na Bahia”, destaca Vidal.


Fundação Hansen Bahia

A Fundação Hansen Bahia possui aproximadamente 12 mil peças de Hansen Bahia, mil de Ilse Hansen, além de muitas assinadas por outros artistas, os quais faziam parte do acervo pessoal do artista alemão. No total, são 13 mil obras de arte. Somando-as aos objetos (ferramentas de trabalho do artista, mobiliário e acessórios, dentre outros), o acervo total dos dois museus (o de São Félix e o de Cachoeira) está estimado em 18 mil peças.


Artista alemão


Auto Retrato de Hansen

O período de iniciação artística de Hansen Bahia coincidiu com o desenvolvimento da gravura alemã e com o começo de vários movimentos artísticos importantes na Europa, a exemplo do expressionismo, ao qual foi fiel em sua produção. Autodidata na técnica que lhe garantiu sucesso internacional, Hansen Bahia talhava a madeira com precisão e perfeição partilhada por poucos.

Em 1950, deixou a Alemanha e veio conhecer o Brasil. Em São Paulo, trabalhou como artista gráfico. Cinco anos mais tarde, mudou-se para a Bahia, onde viveu e produziu intensamente. A paixão pelo estado fez com que o gravador, depois de conquistar reconhecimento internacional, incorporasse o nome da terra e assumisse a assinatura Hansen Bahia.                                                                                

Amante da nova terra, Hansen Bahia não se contentou apenas em naturalizar-se brasileiro. Doou à Bahia, especificamente à cidade de Cachoeira as obras relevantes do seu acervo e criou a Fundação Hansen Bahia, através de testamento, em abril de 1976. Apenas dois meses depois de inaugurar a primeira sede da fundação, o artista faleceu no dia 14 de junho de 1978, deixando para a Bahia o seu legado mais valioso: um enorme acervo de obras de arte e trinta livros publicados.

domingo, 18 de abril de 2010



OBRA PRIMA DO PATRIMÔNIO ORAL E IMATERIAL DA HUMANIDADE:
 O SAMBA DE RODA DO RECÔNCAVO BAIANO



Joseania Miranda Freitas
Maria Manuela Borges
Luzia Gomes Ferreira
Priscila Maria de Jesus


Os lugares de memória ancestral: O Recôncavo Baiano



Pensar no Recôncavo Baiano é refletir sobre um lugar de memórias, marcado pela dizimação dos grupos indígenas nativos, colonização portuguesa e na escravização dos africanos. Esse lugar passa “[...] a ser a dimensão fragmentada e é também, o artefato produzido por uma sistematização ininterrupta e mutante de valores e significados.” (OLIVEIRA, L., 1998, p. 2). O Dossiê de Candidatura, enviado à UNESCO, assim define o Recôncavo:


Por ‘Recôncavo’ se costuma designar uma vasta faixa litorânea que circunda a Baía de Todos os Santos, à entrada da qual se ergue a cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia. É uma região formada por mangues, baixios, tabuleiros, ilhotas e vales margeando o mar. São as terras em ‘volta d’água’, afinal, foi como a boca aberta da Baía de Todos os Santos  que a região passou a fazer parte do mundo Atlântico. (DOSSIÊ, 2004, p 12-13)


Durante o período colonial, o Recôncavo Baiano foi uma região economicamente opulenta, em suas vilas se desenvolveu o cultivo da cana-de-açúcar e do fumo, produtos de grande valor econômico naquele período; graças ao solo fértil, conhecido como massapé. Por conta de essas vilas serem grandes entrepostos econômicos, a comunicação entre elas e a capital era intensa como ressalta Reginaldo (2005, p. 65):

As vilas mais importantes do Recôncavo Baiano se constituíram em centros da vida política, social e econômica das zonas produtoras de cana-de-açúcar, fumo e uma série de produtos indispensáveis ao abastecimento da cidade da Bahia. Através da grande baía e de uma privilegiada rede fluvial, a capital e as vilas do Recôncavo formavam um todo bastante integrado. Vale dizer que, através das vilas do Recôncavo, se estabeleciam circuitos comerciais com o interior da capitania e como outras capitanias da colônia.

Devido ao seu desenvolvimento econômico no período colonial, o Recôncavo concentrou um grande número de africanos escravizados. Este tipo de mão-de-obra foi a base econômica desta região:

[...] Após a dizimação de muitos indígenas e a escravização ou expulsão de outros tantos, os portugueses de [sic] assenhorearam dos melhores terrenos, fazendo-se de donos de pessoas e riquezas. Embora os negócios do açúcar estivessem sempre à mercê do mercado internacional, sua venda garantiu fortuna e prestígio aos grandes proprietários locais. Criou-se ali, assim, uma economia sustentada pelas lavouras do fumo, da cana-de-açúcar e pelo trabalho de negros escravizados; criou-se também uma cultura filha das relações sociais gestadas no mundo escravista. (DOSSIÊ, 2004, p.14).

O grande contingente de africanos nas vilas do Recôncavo caracterizou, peculiarmente, a cultura local. Quando os povos das diversas etnias africanas foram estabelecidos na região, devido ao tráfico negreiro, trouxeram consigo elementos das práticas culturais dos seus lugares de origem. Devido ao fato desses grupos sociais estarem na condição de escravizados, pode-se afirmar que houve um processo de re-criação dessas práticas, assim como se criaram outras dentro desse contexto sócio-histórico. Para Oliveira, E. (2003, p. 84): “[...] na diáspora africana, o que vem para o Brasil não é a estrutura físico-espacial das instituições nativas africanas, mas, os valores e princípios negro-africanos.” Ainda hoje essa presença, visível, nas cidades do Recôncavo, pode ser encontrada nas construções arquitetônicas, na religiosidade, na culinária, na música, na dança, enfim, no jeito de ser do povo do Recôncavo:

[...] a presença africana e afro-descendente foi e, continua a ser, uma marca da cultura do lugar. Eram negros os homens, mulheres e crianças que cuidavam dos canaviais, faziam os engenhos funcionarem, mantinham toda infra-estrutura necessária para o bem viver de seus senhores... e ainda promoviam batuques magníficos. Como hoje também são os trabalhadores ocupados com a cata dos mariscos, a pequena lavoura ou refino de petróleo, e como o samba de roda. Tamanha predominância negra faz com que o Recôncavo resguarde práticas culturais que são, a um só tempo, uma síntese das experiências das populações africanas no Brasil, e a evidência enorme da criatividade dos seus descendentes. (DOSSIÊ, 2004, p. 13).

Atualmente, o Recôncavo Baiano possui trinta e três cidades e uma população formada majoritariamente por afro-descendentes, dos quais muitos ainda vivem em condições desfavoráveis frente aos poucos “brancos” que habitam a região. Economicamente, a região vive uma estagnação, não há um desenvolvimento econômico significativo para a comunidade local, mesmo que algumas cidades possuam uma multinacional, como é o caso de Cachoeira e outras como Catu, Candeias e São Francisco do Conde, produzam petróleo. Ainda assim, não há circulação de riqueza, não existe mobilidade social, principalmente entre os afro-descendentes, fazendo com que, especialmente os mais jovens, migrem para capital à procura de emprego e/ou para estudar. Pode-se dizer que o Recôncavo Baiano é uma região “[...] cronicamente pobre, entretanto dotada do fascínio de ser a principal detentora da tradição cultural da sociedade escravista.” (DOSSIÊ, 2004, p. 12)



Celebração da Festa – O Samba de Roda do Recôncavo



O Samba de Roda do Recôncavo pode ser compreendido como uma prática cultural, na qual são vivenciados valores como a solidariedade, a fraternidade e o pertencimento que vão contribuir para a construção e afirmação das identidades dos afro-descendentes dessa região. Os praticantes do Samba, pela via do “dom do discurso” (Gilroy, 2001, p. 162), exploram as diversas linguagens que lhes são acessíveis, ainda que muitos deles não dominem a escrita, conseguem imprimir suas marcas identitárias nas suas canções, falando da afetividade, dores, amores, críticas, angústias e fé.

Com relação à origem do samba, atualmente já se afirma que é uma prática cultural de matriz africana, legada pelos povos de língua bantu, como ressalta Nei Lopes (2005):

Samba, entre os quiocos (chokwe) de Angola, é verbo que significa ‘cabriolar, brincar, divertir-se como cabrito’. Entre os bacongos angolanos e congueses o vocábulo designa ‘uma espécie de dança em que um dançarino bate contra o peito do outro’. E essas duas formas se originam da raiz multilingüística semba, rejeitar, separar, que deu origem ao quimbundo di-semba, umbigada – elemento coreográfico fundamental do samba rural, em seu amplo leque de variantes, que inclui, entre outras formas, batuque, baiano, coco, calango, lundu, jongo, etc. [...] Buscando comprovar essa origem africana do samba – nome que define, então, várias danças brasileiras e a música que acompanha cada uma delas -, veremos que o termo foi corrente também no Prata como samba ou semba, para designar o candombe, gênero de música e dança de negros bantos daquela região. [...] Responsáveis pela introdução, no continente americano, de múltiplos instrumentos musicais, como a cuíca ou puíta, o berimbau, o ganzá e o reco-reco, bem como pela criação da maior parte dos folguedos de rua até hoje brincados nas Américas e no Caribe, foram certamente africanos do grande grupo etnolingüístico banto que legaram à música brasileira as bases do samba e grande variedade de manifestações que lhes são afins.

Para Cortes (2002, p. 2), a presença dos povos de língua bantu na Bahia foi predominante até meados do século XVIII:

No início dos Seiscentos, Angola passou a ser o principal fornecedor de escravos aos portugueses, liderando o tráfico na África Centro-Meridional por mais três séculos. Até meados do século XVIII predominaram na Bahia os africanos pertencentes às nações de língua banto, que apesar de pertencerem a centenas de grupos étnicos aparentados, seriam aqui agrupados em torno de nomes muito imprecisos, tais como Congos, Angolas, Cabindas e Benguelas Devido aos quase dois séculos de franco predomínio dos bantofones em Salvador e no Recôncavo, é inegável existir na Bahia um forte substrato cultural destes grupos que pode ser identificado na língua que falamos, nos ritos religiosos ainda existentes, na conformação física de nossa população.

Ainda que o Samba de Roda tenha se fundido com elementos culturais dos portugueses e indígenas, essa prática cultural é reconhecida como uma marca identitária afro-descendente do Recôncavo Baiano, como é destacado no Dossiê (2004, 14-15):

O samba de roda, desde os antigos relatos, traz como suporte determinante tradições culturais transmitidas por africanos escravizados no Estado da Bahia. Essas tradições se mesclaram de maneira singular a traços culturais trazidos pelos portugueses [...] Esta mescla, assim como outras mais recentes, não exclui o fato de que o samba de roda foi e é essencialmente uma forma de expressão de brasileiros afro-descendentes, que se reconhecem como tais.

Os grupos de Samba de Roda do Recôncavo Baiano, geralmente, são formados por afro-descendentes, moradores das áreas periféricas da região; no cotidiano, as pessoas têm outras atividades econômicas, pois somente com esta atividade não é possível sustentar-se. Nas letras do Samba de Roda é retratado o cotidiano de pessoas simples, podendo-se deduzir que a música se torna um meio para que elas possam expressar-se. Paul Gilroy, citando Glissant, comenta sobre a música negra: “Não é nada novo declarar que para nós a música, o gesto e a dança são formas de comunicação, com a mesma importância que o dom do discurso.” (Gilroy, 2001, p. 162).

Nas canções são encontrados variados temas, sendo mais freqüente a relação homem-mulher. Homens e mulheres têm papéis diferenciados no Samba de Roda, como relata o seguinte depoimento:

A gente precisa muito do homem por causa do toque, porque raramente a mulher toca; e o homem precisa da mulher pra acompanhar na voz e no pé. Sem a mulher não tem samba, sem homem também não tem. Aqui a gente depende dos toques, mas pra sambar depende de mulher: um samba só de homem, você vem, dá uma olhada e vai embora, mas quando vê mulher, fica. (D. Mirinha, citado no DOSSIÊ, 2004, p.13).

Na fala da depoente fica explícito que, mesmo havendo papéis diferenciados entre os gêneros, ocorre uma relação de complementaridade entre homens e mulheres no Samba de Roda. Outra questão significativa abordada é a importância das mulheres sambarem, tornando mais atraente e sensual essa prática, com um toque e charme especiais. Outro aspecto relevante é o fato das mulheres geralmente não tocarem os instrumentos durante a execução, quem toca são os homens, mesmo quando o grupo é organizado e presidido por mulheres, a exemplo do Samba da Suerdieck, da cidade de Cachoeira, que tem D. Dalva Damiana de Freitas como fundadora e organizadora. Deduz-se que as mulheres não tocam, devido à relação entre o Samba de Roda e o Candomblé, pois na maioria dos Terreiros da região, elas também não tocam; este fato não faz com que haja um conflito entre homens e mulheres na disputa por esse espaço.

Fica evidente que, de certa forma, as mulheres dentro do Samba de Roda independentemente das que organizam e presidem algum grupo, possuem um papel de destaque nesse espaço. Ainda que os homens toquem, as mulheres conseguem, de forma sutil, se projetarem no samba de roda, conquistando uma visibilidade maior aos olhos dos espectadores.



A presença do Samba de Roda nas Festas Religiosas do Recôncavo



O Samba de Roda está presente em quase todas as festas religiosas do Recôncavo, tanto as ligadas ao catolicismo, como as ligadas ao Candomblé. Nas festas católicas do Recôncavo e de Salvador pode-se dizer que há uma grande presença de elementos das práticas culturais de matriz africana, isso acontece desde o período escravista como ressalta Reis (web, p. 5):

Nos estudos sobre religião, por exemplo, o enfoque que privilegia o sincretismo entre tradições religiosas africanas e o catolicismo ibérico têm dado lugar a perspectivas que encaram a formação das religiões afro-brasileiras como resultado de elaborações mais complexas, envolvendo, de um lado, convergências de tradições africanas entre elas, e de outro a recriação de um catolicismo negro-popular em torno das irmandades de cor, que floresceram em toda parte do Brasil colonial, particularmente nas Minas Gerais. Um catolicismo que, aliás, podia já ter começado a ser criado na África por africanos vindos de reinos bantos convertidos, como seriam algumas áreas dos antigos reinos do Congo e Ndongo, desde o século XVI. [...] Mais importante é perceber-se que ao invés de uma mistura de crenças por vezes aleatória, venceu a habilidade dos escravos de circularem entre diversos registros religiosos, sem confundi-los, num movimento de diversificação mais do que de síntese da experiência religiosa.


Atualmente, ainda é visível a presença dos elementos africanos nas práticas religiosas católicas de Salvador e do Recôncavo Baiano, um desses elementos é o Samba de Roda. Podemos encontrá-lo nas celebrações das festas de São Cosme e São Damião, São Roque, São João, Nossa Senhora D’Ajuda, Nossa Senhora da Purificação e, especialmente, na festa de Nossa Senhora da Boa Morte, na qual ele é indispensável, podendo ser compreendido com um dos rituais das festividades que acontecem em homenagem à Santa na cidade de Cachoeira.

O Samba de Roda, nessas festas, não pode ser interpretado simplesmente como a parte profana, mas como um elemento fundamental, como um símbolo de celebração. Lody (1995, p. 170) afirma que: “[...] Aí se verificam as estruturas sociais e culturais do samba-de-roda, que têm nas danças um sentido de comemoração, comunicação e manifestação de sentimentos e conhecimentos, reforçando laços sociais, morais e éticos.”

O Samba de Roda também faz parte das celebrações nas festas dos Terreiros de Candomblé do Recôncavo. Ele é tocado e cantando nas festas de Caboclo16 , assim como, também encerra os ciclos de festas dos Terreiros de nação Nagô. Percebe-se que Candomblé e o Samba de Roda estão interligados, pois a maioria dos integrantes dos grupos, direta ou indiretamente, tem ligação com algum Terreiro. É possível afirmar que a preservação do Samba de Roda do Recôncavo passa pelos Terreiros de Candomblé. Sobre esta relação, o músico Mateus Aleluia, fala o seguinte:

Essa raiz, ainda está sendo exercitada, porque o Candomblé também não deixou de existir. O candomblé continua com a sua formação de base: é o rum, rumpi, lê e um gã, são os três tambores e um que chama agogô; e ele não muda. No Candomblé, você não vai num Candomblé de pagode, você não vai num Candomblé de arrocha. Não. Candomblé, é Candomblé. Então, enquanto essa base, essa matriz se mantiver inalterada, o samba de roda, o samba de umbigada; ele vai sempre ser como é. Cachoeira pode ter várias expressões modernas de samba, mas todo ano na festa da Boa Morte vai ter um samba, que as irmãs da Boa Morte, já fazem há quase duzentos anos. (Depoimento de Mateus Aleluia, 06 de setembro de 2004).

Considera-se que o título de patrimônio oral e imaterial da humanidade, concedido pela UNESCO ao Samba de Roda do Recôncavo Baiano, em novembro de 2005, foi de suma importância no sentido de reconhecer e legitimar uma prática cultural de grupos sociais que historicamente estiveram à margem na sociedade brasileira, sem perder de vista que esses grupos sempre buscaram seus próprios mecanismos para preservação dessa prática, ainda que dentro de uma dinâmica sócio-cultural que ainda os marginaliza.

No Samba de Roda é possível perceber construções de identidades e de memórias, a exemplo do que explicita Sr. Zel, integrante do grupo Filhos do Caquende, da cidade de Cachoeira, “[...] o samba de roda é, misturado com nego, coisa da África”, ele estabelece uma relação com o ser negro e com África, ainda que no Samba de Roda tenha elementos que não sejam originalmente de matriz africana; é compreendido como uma herança africana, ainda que essa África seja imaginada e/ou idealizada, o que é comum para o povo da diáspora como explica Hall:

A África passa bem, obrigado, na diáspora. Mas não é nem a África daqueles territórios agora ignorados pelo cartógrafo pós-colonial, de onde os escravos eram seqüestrados e transportados, nem a África de hoje, que é pelo menos quatro ou cinco ‘continentes’ diferentes embrulhados num só, suas formas de subsistência destruídas, seus povos estruturalmente ajustados a uma pobreza moderna devastadora. A ‘África’ que vai bem nesta parte do mundo é aquilo que África se tornou no Novo Mundo, no turbilhão violento do sincretismo colonial, reforjada na fornalha do panelão colonial. (HALL, 2003, p. 40, grifos do autor).

Uma vez reconhecido o Samba de Roda como patrimônio oral e imaterial da humanidade, é necessário não perder de vista que o seu desenvolvimento passa por dificuldades, não somente financeiras, como a falta de espaço para ensaios e apresentações, guarda do material, como também a dificuldade de inserção no mercado fonográfico, sem o apoio da grande mídia que lhes reserva espaços restritos a determinados momentos e a também a concorrência com os novos ritmos. Outra dificuldade está na permanência dos jovens na região, que necessitam migrar devido ao empobrecimento crescente da região, que não oferece possibilidades laborais para a parcela jovem da população.

Apesar deste conjunto de dificuldades, os praticantes do Samba de Roda têm resistido culturalmente, driblando as regras estabelecidas, que por muito tempo os deixou no anonimato, fazendo com que o Samba de Roda além de ser um patrimônio oral e imaterial da humanidade, seja considerado como uma prática cultural de inclusão, de complementaridade, de construções e reconstruções de identidades e memórias, na qual homens e mulheres, jovens e crianças possuem papéis diferenciados, que confluem para a preservação e manutenção dessa prática.


Bibliografia


CORTES, Maria Inês. Tradição e oralidade: a Bahia como espaço de recriação da memória africana. Palestra proferida dia 20 de novembro de 2002. Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO). Salvador.

DOSSIÊ de Candidatura do Samba de Roda do Recôncavo Baiano para a Terceira
Proclamação das Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade da UNESCO. Brasília, outubro de 2004.

GILROY, Paul. Jóias trazidas da servidão: música negra e política de autenticidade. In:
Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Ed. 34, Rio de Janeiro, 2001.

HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik; Tradução: Adelaine La Guardiã Resende et all. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil. 2003.

LODY, Raul. O povo do santo; história e cultura dos orixás, voduns, inquices e caboclos. Rio de Janeiro: Pallas. 1995.

LOPES, Nei. A presença africana na música popular brasileira. In: Revista Espaço
Acadêmico – n. 50, jul. 2005.

OLIVEIRA, Eduardo David de. Cosmovisão africana no Brasil; elementos para uma
filosofia afrodescendente. Fortaleza. LCR, 2003.

REGINALDO, Lucilene. Os Rosários dos Angolas: irmandades negras, experiências escrava e identidades africanas na Bahia setecentista. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). 2005.

REIS, João José. A Morte é uma festa; ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. 4ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


Entrevistas – realizadas por Luzia Gomes Ferreira


Mateus Aleluia. Ex-integrante do extinto Grupo Ticoãs, 06 de setembro de 2004

Zel Santos. Grupo Filhos do Caquende, 05 de setembro de 2004.

sexta-feira, 16 de abril de 2010



AMÁLGAMA NEGRA ENTREVISTA
 ÁLEC SARAMAGO








Meu brother e amigo de velhos carnavais é uma satisfação enorme poder bater um papo contigo e com os leitores deste humilde blog.




(A.N) Quem é Álec Saramago?



Esta pergunta é sempre difícil de responder. Surgem tantas questões filosóficas sobre o ser, o eu, estas coisas... (risos) Então eu tenho que ser prático.



Alex Freitas de Figueiredo é meu nome de batismo, mas se com certos povos antigos acontecia de mudar de nome sempre que algo incrível acontecia em suas vidas, eu mudei o meu (risos). Reconheço-me mesmo como Alec. E Saramago ainda por cima! Tem relação com a minha virada de vida, o meu encontro comigo.

Nasci em Salvador, taurino com ascendência em câncer, ao meio-dia, no mesmo dia que minha mãe nasceu! 25 de abril!



(A.N) Quando foi o seu primeiro contato com a arte?


A música gospel, na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Cantei em corais infantis, depois num grupo importante desta denominação nos anos 90, com quem viajei pelo Brasil inteiro. Eu era bem molecão. Magrinho... E já tinha uma voz de adulto, uma coisa que o Universo me deu de presente. Depois gravei em 2001 um cd solo lançado na Concha do TCA e viajei até para fora com ele.

A Igreja foi importante para meu desenvolvimento vocal. Mas foi a vida, a estrada, o sofrimento, que me deram alma, me deram a beleza. Um paradoxo de mergulhar no lixão de si mesmo para ser feliz depois. Assim a música fez sentido. Antes era só a voz, eu era o cara triste escondido atrás do cantor, hoje o cantor é só um detalhe em minha vida.



(A.N) Em que momento da vida, você se percebeu artista?



Quando meu avô paterno começou a me pedir para cantar para ele. Eu tinha só cinco anos de idade. Ele me chamava de Canarinho. Nunca esqueço isso. E me vem lágrimas nos olhos. Saudade de tanta coisa... Eu era um menino miúdo e já sabia que era artista. Já tinha esta vida batendo no peito.


(A.N) Quem surgiu primeiro em sua vida: a música ou o teatro?


O teatro estava na música e eu não enxergava. No meu jeito de expressar com vigor, na forma de viver cada assunto com sentimento de quem já viveu tudo sem ter vivido de verdade todas as coisas. Isso é ser ator. Sentir até o que nunca sentiu. E também é lindo! E tem muita vida. E toca as pessoas lá no íntimo. Esta é a essência de ser artista.


(A.N) Quais artistas, do segmento musical e teatral influenciaram na sua carreira?


Alessandra Samadello, uma grande cantora da musica Gospel que esteve até em Hebe um tempo atrás. Maria Bethania que tem uma coisa de atriz também. Clara Nunes. Você acredita que eu sambei sem ninguém me ensinar vendo imagens de Clara na TV? Com uns cinco anos de idade ou menos.

Caetano como compositor foi sempre muito forte para mim e na voz também. E até hoje eu ouço bastante Elis. Parece clichê, mas é assim mesmo. Ah, gosto de Elba também, com aquele lance bem nordeste, mas universal.

                             
(A.N) Em quais trabalhos como ator, você já atuou?


Comecei com um grupo da UNEB, quando eu fazia Letras em Alagoinhas. Os Macabéicos. Era muito bom e louco. Um lance hapenning, teatro de improviso, mas com idéias filosóficas muito bem construídas. Ficamos duas temporadas no Teatro Vila Velha e me orgulho disto. Fomos muito elogiados pelo ator Jackson Costa, pelo Márcio Meireles, mas a galera estava numa viagem diferente da minha, queriam tudo muito sem prumo e acabamos terminando o grupo. Uma pena, porque já estávamos para viajar pelo nordeste.  
Depois fiz uma participação muito legal numa ópera carioca que esteve um tempo aqui na Bahia e foi minha primeira vez no Teatro Castro Alves.

Hoje estou na Cia Beluna de Arte. Com esta companhia eu fiz “Perdidos”, adaptação de “Dois perdidos numa noite suja” de Plínio Marcos e a “Tigela”, com a qual rodamos pelas escolas. Temos tido bastante sorte oferecendo oficinas e também nos envolvendo em trabalhos sociais, que é um lado do teatro que tem uma saída muito boa. Já conquistamos diversos editais do estado e isso é importante para dar continuidade ao trabalho.


(A.N) Como se não bastasse à música, o teatro e a literatura, você está se formando em Museologia pela Universidade Federal da Bahia. A Museologia seria de fato mais uma paixão em sua vida?


Descobri que ela tem muita relação com a arte, a produção intelectual humana, a beleza das coisas criadas por nós. Estudo muita História da arte, Antropologia, Arqueologia. Imagina, é bom demais! E só confirma a minha vocação de artista.

Um professor meu que me adora enquanto aspirante a acadêmico, me dizia para eu deixar a arte para lecionar, pois eu seria um grande professor. Então um dia eu o convidei para me assistir no teatro. Assim que a peça terminou, ele veio até a mim no camarim e, disse, me abraçando: Continue na arte!

Nunca mais eu pensei em outra coisa!


(A.N) Alec, eu acompanho a sua carreira de cantor há pelo menos seis anos. Você sabe o quanto admiro o seu trabalho, a sua maneira peculiar de dialogar e conceber a música para além da fama; numa espécie de relação indivisível. Você que já viajou para a Austrália, Estados Unidos, que já esteve ao lado de grandes nomes da música popular brasileira, como Maria Bethânia, Gilberto Gil e tantos (as) outros (as), como você analisa o cenário da música brasileira hoje?
                                                                                                             
Muita coisa ruim, muita coisa boa. Sempre foi assim e sempre será!

Sou como Caetano. Encontro pérolas em todos os cantos. O Carnaval, por exemplo, tem coisas muito boas. Exemplo disto é a Daniela Mercury, Margareth Menezes, Timbalada, Carlinhos Brown.

Mas na verdade acho que tudo é um problema de educação formal. Se um povo não possui escolaridade suficiente, como vai poder ouvir algo que nem entende? Existem também outras questões de poder envolvidas e nisso eu não quero entrar aqui.
A verdade é que o publico que gosta de Carnaval, mas que curte Daniela Mercury, por exemplo, é

uma turma mais refinada em seu gosto. Então parece mesmo que para se gostar de música bem elaborada, precisa-se de um conteúdo intelectual bem aparelhado. Isso faz com que o consumo de musica de primeira seja algo real. Então se o rumo intelectual do país esta em derrocada, isto fica evidente na musicalidade de seu povo.


(A.N) Eu acompanhei o seu sucesso no carnaval baiano de 2010. Foi a sua estréia? Qual a sensação de cantar na Bahia, sobretudo, no maior carnaval do mundo?


Foi minha estréia no Carnaval de Salvador, sim. Um momento importante para eu saber bem o que quero fazer da minha vida musical. E eu percebi que não desejo seguir a “boiada” mesmo. Tenho uma personalidade musical bastante forte e bem formada e precisei subir no trio em plena avenida para entender isso de uma vez. Não quero isto de colocar o dedinho na boca e ir ate o chão somente. É muito pouco. O que quero é produzir arte genuína no meio da folia. Porque eu amo a folia. Mas acredito que é possível fazer coisas melhores do que se tem feito.

                    
(A.N) Como já foi dito, você que já viajou o Brasil e também alguns países, fazendo shows, campanhas e projetos,  por que escolher morar em Salvador e cantar a Bahia?


Foi algo natural. As oportunidades aconteceram aqui. Teve o I Festival Universitário no qual interpretei a música campeã, a relação boa com o teatro Vila Velha, as participações com a banda Maria Juaquina, e meu envolvimento com a Cia Beluna de arte a qual hoje pertenço. Além disso, eu amo Salvador. Ainda tem uma coisa praieira.


(A.N) Conte aos leitores do Amálgama, quais os seus projetos atuais e futuros?


A Cia Beluna esta dando um salto importante com sua legalização. O que no teatro é algo raro. Estamos em vias de geração de CNPJ, ocasionando uma valorização do trabalho e uma profissionalização que é essencial para alcançar patamares mais altos. Nossos projetos sociais irão dar uma guinada com isto por exemplo.

Na musica tem coisa boa sendo planejada. Um show só meu. Uma homenagem às mulheres. Mas vai ficar para o segundo semestre. Ando devagar porque já tive pressa...


(A.N) Alec Saramago por Alec Saramago? E o que te faz um ser humano ABSOLUTO?


Um homem com uma garra imensa, que acorda cedo e já salta da cama feliz, mexendo com todo mundo!
O amor próprio, muito presente, conquistado na raça e na psicologia é que me dão isto. Eu sou um “caçador de mim”.


(A.N) “Últimas Palavras”...


Muita vida para todos! Amem a vocês antes de amar a qualquer coisa. Assim o amor pelo outro acontece. Por que atraímos aquilo que temos em nós. Se temos amor, teremos amor sempre! Hare Krsna!

Ah, e visitem o blog mais vezes. Léo é uma figura!

Também podem me ver no “youtube” colocando meu nome ou banda Maria Juaquina. Tem também um documentário interessante, chamado Folhas e Rezas. Quero que conheçam. Além do site www.beluna.com.br



Negão, eu agradeço pela sua participação e disponibilizo, desde já, este espaço para divulgar o seu trabalho sempre que você desejar. Um forte abraço do velho amigo, Léo Rujo.