terça-feira, 30 de março de 2010

AMÁLGAMA NEGRA: poética afro-brasileira, cotidiano e balangandãs culturais


AMÁLGAMA NEGRA: poética afro-brasileira, cotidiano e balangandãs culturais





Uma espécie de desordem latente sublinha o nosso modo de vida na contemporaneidade. Com residência própria, aluguel ou “sem teto”, situamo-nos no entre-lugar do estilhaçado mundo pós-moderno; divididos entre a persistência da memória de um passado não-remoto - onde o acesso as informações restringia-se em veículos televisivos, rádios ou jornais impressos – e de um presente cada vez mais dependente das redes/teias intercaladas que tecem as comunicações atuais.

As ramificações desse corpus de conectivos reforçam a idéia de globalização, que nos permite interagir, mesmo entendendo, somente a superfície desses entrelaces políticos, econômicos e culturais contemporâneos. Uma nova idéia de subjetividade se instala: “eu sou na medida das minhas conexões”. Quer dizer, a subjetividade constrói o seu território existencial a partir de outros espaços dos quais se apropria, permutando-os. Mas em que/quem, acredita esta nova forma de religião fragmentada? A verdade é que se trata de uma “nova” sociedade; experimental e não menos tradicional. Muda-se o intervalo do tempo, a caneta, a interatividade e a velha máquina datilógrafa; mas o foco e a tentativa de diálogo entre o homem com o seu semelhante continuam a mesma.

A princípio a idéia, depois o desejo de me lançar “à rede”; ambos nasceram por meio das minhas inquietações sobre um profícuo diálogo entre a poética cultural – em suas múltiplas facetas - e a mídia, como, também, da necessidade de intercambiar saberes, críticas, experiências, vivências e opiniões por meio de um espaço interativo e que pudesse convergir o local e o global em si. Outro objetivo de começar a assinar um blog – dentre, tantos outros - foi o de tentar percorrer trajetórias contextuais de poéticas consagradas nacionalmente, suscitando críticas referentes à invisibilidade de sujeitos, fazeres e instituições culturais não prestigiados aos mesmos períodos correspondentes, bem como apontar para novas perspectivas de (re)leituras, rompendo o silenciamento de autores e autoras deflagrados ao ostracismo de sua época.

No decorrer das minhas inquietações, e no afã de muitas discussões, lendo e pesquisando, iniciei, embrionariamente, algumas leituras que me convergiram ao questionamento do cânone, bem como as suas eleições e histórias que se perpetuam ao contexto de nascimento do mesmo.

Paralelamente aos estudos sobre cultura, história e antropologia, trabalhava como professor de literatura e redação do ensino médio. Foi no exercício de minha profissão, que comecei a pensar sobre a literatura brasileira e a relação com a cultura afro-brasileira e africana. Como acontece com a esmagadora maioria dos livros didáticos, a história da literatura no Brasil está dividida em blocos, as chamadas “escolas literárias” e foi a partir das minhas reflexões que comecei a indagar o não reconhecimento das contribuições dos negros nas múltiplas instâncias da construção econômica, cultural, literária, estética e identitária na sociedade brasileira.

Há algum tempo, comecei a perceber algo de novo no seio da indústria estético-cultural brasileira. A título de ilustração, posso citar o hip hop, o Rap, o pagode baiano e o fank com o seu batidão saltaram das páginas policiais para as capas dos cadernos culturais. Além da música, a literatura e o cinema abrem espaço para o discurso novo e contundente que brota das entranhas da vasta periferia onde vive a maioria dos brasileiros. O Fenômeno envolve aspectos complexos, indo além do terreno cultural propriamente dito, para adentrar nos campos da ideologia, da sociologia, da economia. E começa a ser estudado em esferas acadêmicas e a ocupar, fragmentariamente, espaços na imprensa de “elite”. O antropólogo Luiz Eduardo Soares, co-autor de cabeça de porco com o rapper MV Bill, adverte: “A periferia nos diz: vejam, ouçam, sintam. O abismo que nos divide pode ser atravessado se soubermos inventar as pontes certas; mas sem estas pontes, o abismo pode nos devorar a todos, levando consigo a utopia de um Brasil justo e civilizado”. São questões que provocam discussões candentes, envolvendo estética e política.

A antiga e simples “cultura da malandragem”, estudada pelo mestre Antônio Cândido em célebre ensaio, “Um retrato do Brasil semi-urbano das primeiras décadas do século XX”, cedeu lugar a uma realidade multifacetada em que a periferia de hoje ergue sua voz e, o que é mais importante, cria seu próprio espaço de produção de cultura, cujo mercado extrapola os limites territoriais e de classe.

É esse mundo pulsante, de onde a arte é tomada como arma de guerra que surgem das vielas, morros e guetos nomes como o do já mencionado MV Bill, a funqueira Tati Quebra-Barraco, o ator Lázaro Ramos, a cantora e atriz Negra Li, Marcelo D2, Márcio Vitor da banda de pagode Psirico, Racionais MC e escritores dessa Literatura Negra, a exemplo do poeta baiano Landê Onawale e do escritor paulista Alessandro Buzzo, que falam de um lugar específico, pois nascem em um momento estratégico.

À Amálgama Negra – mistura de elementos diversos que contribuem para formar um todo – nasce, com a proposta de empenha-se, na tentativa de analisar ângulos multifacetados da poética negra na contemporaneidade. Busca-se entender inicialmente o panorama dos estudos historiográficos referentes à literatura nacional, procedendo-se investigação sobre a inserção do negro na poética afro-brasileira, bem como o papel da literatura no processo de formação identitária do negro consciente e conscientizador. Mas, também, com o intuito de discutir cenas cotidianas do universo afro na Bahia, em especial, no Recôncavo Baiano.

Tornar a literatura, a cultura e a história num veículo de afirmação e consciência, é um ato político. Viabilizar essas manifestações litero-culturais fará com que, inquestionavelmente, os estereótipos sejam combatidos com a formação de contra-discursos intrínsecos nos debates propostos neste blog. A poética afro-brasileira, além de uma produção artística, é um instrumento social.

O problema que originou a identidade deste blog desenvolve-se em torno das inúmeras dificuldades que estas produções não-canônicas enfrentam em todo cenário nacional, bem como o racismo mascarado pelo mito da democracia racial que se alastra fortemente nas diversas esferas sociais nos dias de hoje. Todavia, é interessante suscitar reflexões de autores negros, especificamente Luís Gama, José Carlos Limeira, Cuti, Miriam Alves, Landê Onawale, Aline frança e Hamilton Borges, bem como as inúmeras produções artísticas de autores e autoras baianos (as) que entrecruzam em suas obras, temáticas relacionadas ao contexto afro, a oralidade, ancestralidade, a memória e a toda gama de estéticas que fazem alusão aos imaginários e (re) leituras da identidade global, sobretudo local – Bahia - a exemplo de Nelson Rufino, Babalawo Ifalekan Abimola Olori Lógùn Akinsholá, Mariene de Castro,  Emanuel Araújo, Dádá, Edil Pacheco, Buli Buli, Maria Bethânia, etc. Elucidando, assim, as diversas contribuições dos mesmos para esse processo de conscientização e identidade cultural através de estilos inerentes aos representantes afro-brasileiros.
Amálgama Negra se constitui num espaço rizomático, singular e plural; aberto para uma discussão sem máscaras e sem mordaças, propondo uma reflexão política sobre os construtos ideológicos e repertório discursivo engajado no âmbito cultural, perpassando os aspectos étnicos e identitários envolvidos nos processos de exclusão e de resistência, convidando a comunidade virtual para efetivar novos olhares, novas tramas e novas relações com outras linguagens.








Sejam Todos, Bem Vindos ao Amálgama Negra!



Leandro Rujo/Blogueiro.

leandrorujo@gmail.com