AMÁLGAMA NEGRA: poética afro-brasileira, cotidiano e balangandãs culturais
Uma espécie de desordem latente sublinha o nosso modo de vida na contemporaneidade. Com residência própria, aluguel ou “sem teto”, situamo-nos no entre-lugar do estilhaçado mundo pós-moderno; divididos entre a persistência da memória de um passado não-remoto - onde o acesso as informações restringia-se em veículos televisivos, rádios ou jornais impressos – e de um presente cada vez mais dependente das redes/teias intercaladas que tecem as comunicações atuais.
As ramificações desse corpus de conectivos reforçam a idéia de globalização, que nos permite interagir, mesmo entendendo, somente a superfície desses entrelaces políticos, econômicos e culturais contemporâneos. Uma nova idéia de subjetividade se instala: “eu sou na medida das minhas conexões”. Quer dizer, a subjetividade constrói o seu território existencial a partir de outros espaços dos quais se apropria, permutando-os. Mas em que/quem, acredita esta nova forma de religião fragmentada? A verdade é que se trata de uma “nova” sociedade; experimental e não menos tradicional. Muda-se o intervalo do tempo, a caneta, a interatividade e a velha máquina datilógrafa; mas o foco e a tentativa de diálogo entre o homem com o seu semelhante continuam a mesma.
A princípio a idéia, depois o desejo de me lançar “à rede”; ambos nasceram por meio das minhas inquietações sobre um profícuo diálogo entre a poética cultural – em suas múltiplas facetas - e a mídia, como, também, da necessidade de intercambiar saberes, críticas, experiências, vivências e opiniões por meio de um espaço interativo e que pudesse convergir o local e o global em si. Outro objetivo de começar a assinar um blog – dentre, tantos outros - foi o de tentar percorrer trajetórias contextuais de poéticas consagradas nacionalmente, suscitando críticas referentes à invisibilidade de sujeitos, fazeres e instituições culturais não prestigiados aos mesmos períodos correspondentes, bem como apontar para novas perspectivas de (re)leituras, rompendo o silenciamento de autores e autoras deflagrados ao ostracismo de sua época.
No decorrer das minhas inquietações, e no afã de muitas discussões, lendo e pesquisando, iniciei, embrionariamente, algumas leituras que me convergiram ao questionamento do cânone, bem como as suas eleições e histórias que se perpetuam ao contexto de nascimento do mesmo.
Paralelamente aos estudos sobre cultura, história e antropologia, trabalhava como professor de literatura e redação do ensino médio. Foi no exercício de minha profissão, que comecei a pensar sobre a literatura brasileira e a relação com a cultura afro-brasileira e africana. Como acontece com a esmagadora maioria dos livros didáticos, a história da literatura no Brasil está dividida em blocos, as chamadas “escolas literárias” e foi a partir das minhas reflexões que comecei a indagar o não reconhecimento das contribuições dos negros nas múltiplas instâncias da construção econômica, cultural, literária, estética e identitária na sociedade brasileira.
Há algum tempo, comecei a perceber algo de novo no seio da indústria estético-cultural brasileira. A título de ilustração, posso citar o hip hop, o Rap, o pagode baiano e o fank com o seu batidão saltaram das páginas policiais para as capas dos cadernos culturais. Além da música, a literatura e o cinema abrem espaço para o discurso novo e contundente que brota das entranhas da vasta periferia onde vive a maioria dos brasileiros. O Fenômeno envolve aspectos complexos, indo além do terreno cultural propriamente dito, para adentrar nos campos da ideologia, da sociologia, da economia. E começa a ser estudado em esferas acadêmicas e a ocupar, fragmentariamente, espaços na imprensa de “elite”. O antropólogo Luiz Eduardo Soares, co-autor de cabeça de porco com o rapper MV Bill, adverte: “A periferia nos diz: vejam, ouçam, sintam. O abismo que nos divide pode ser atravessado se soubermos inventar as pontes certas; mas sem estas pontes, o abismo pode nos devorar a todos, levando consigo a utopia de um Brasil justo e civilizado”. São questões que provocam discussões candentes, envolvendo estética e política.
A antiga e simples “cultura da malandragem”, estudada pelo mestre Antônio Cândido em célebre ensaio, “Um retrato do Brasil semi-urbano das primeiras décadas do século XX”, cedeu lugar a uma realidade multifacetada em que a periferia de hoje ergue sua voz e, o que é mais importante, cria seu próprio espaço de produção de cultura, cujo mercado extrapola os limites territoriais e de classe.
É esse mundo pulsante, de onde a arte é tomada como arma de guerra que surgem das vielas, morros e guetos nomes como o do já mencionado MV Bill, a funqueira Tati Quebra-Barraco, o ator Lázaro Ramos, a cantora e atriz Negra Li, Marcelo D2, Márcio Vitor da banda de pagode Psirico, Racionais MC e escritores dessa Literatura Negra, a exemplo do poeta baiano Landê Onawale e do escritor paulista Alessandro Buzzo, que falam de um lugar específico, pois nascem em um momento estratégico.
À Amálgama Negra – mistura de elementos diversos que contribuem para formar um todo – nasce, com a proposta de empenha-se, na tentativa de analisar ângulos multifacetados da poética negra na contemporaneidade. Busca-se entender inicialmente o panorama dos estudos historiográficos referentes à literatura nacional, procedendo-se investigação sobre a inserção do negro na poética afro-brasileira, bem como o papel da literatura no processo de formação identitária do negro consciente e conscientizador. Mas, também, com o intuito de discutir cenas cotidianas do universo afro na Bahia, em especial, no Recôncavo Baiano.
Tornar a literatura, a cultura e a história num veículo de afirmação e consciência, é um ato político. Viabilizar essas manifestações litero-culturais fará com que, inquestionavelmente, os estereótipos sejam combatidos com a formação de contra-discursos intrínsecos nos debates propostos neste blog. A poética afro-brasileira, além de uma produção artística, é um instrumento social.

Amálgama Negra se constitui num espaço rizomático, singular e plural; aberto para uma discussão sem máscaras e sem mordaças, propondo uma reflexão política sobre os construtos ideológicos e repertório discursivo engajado no âmbito cultural, perpassando os aspectos étnicos e identitários envolvidos nos processos de exclusão e de resistência, convidando a comunidade virtual para efetivar novos olhares, novas tramas e novas relações com outras linguagens.
Sejam Todos, Bem Vindos ao Amálgama Negra!
Leandro Rujo/Blogueiro.
leandrorujo@gmail.com